JUSTIÇA FEDERAL É A CAMPEÃ DO PRIMEIRO TURNO



Nelson Rodrigues, jornalista, cronista, o mais famoso torcedor tricolor, autor do livro À sombra das chuteiras imortais, costumava evocar a figura do “Sobrenatural de Almeida”, ser divino que costumava baixar em campo e ajudar o Fluminense nas situações em que tudo estava perdido.

Quem esteve na sede da ASTRA 21 na noite de ontem para assistir a final do primeiro turno entre o Tribunal de Justiça e a Justiça Federal conheceu o personagem rodrigueano vestindo a camisa azul dos colegas federais.

A partida tinha sido adiada por razões óbvias. A JF perdera um de seus membros mais queridos na véspera do jogo originalmente marcado. Os colegas do TJ anuíram com o adiamento em um gesto, além de elegante, humanitário.

Nova data escolhida. Terça-feira. Dia de futebol na ASTRA 21. Dia consagrado a pelada dos servidores e amigos. A pelada teve que ser desalojada, mas a razão era nobre.

A sede da ASTRA 21 recebeu grande público para assistir a final.

Mizael animou-se e abriu seu bar para garantir alguns trocados a mais. Charles Elliont chegou na hora. Vestido de vermelho, cor de uma das equipes. Teve que ir ao carro se trocar. Voltou de azul. Cor da outra equipe. Lá vai Charles de novo ao carro. Volta com o seu manequim tradicional, o surrado uniforme amarelo que o identifica a léguas de distância.

O adiamento em 10 (dez) serviu para arrefecer os ânimos dos mais exaltados. Uma conversa ao pé-do-ouvido dos líderes dos times buscou garantir um jogo limpo.

Antes de começar a partida fomos ao centro do gramado, pedimos que o jogo fosse na bola, que antes de uma final aquilo era um encontro de amigos, blá-blá-blá, ou seja, aquilo que eu sei que estava fazendo só por obrigação, afinal, jogo é jogo até em porrinha, especialmente em uma final.

Dito e feito. Quando o jogo começou parece que eu tinha falado com um monte de “pé-de-pau”. Cada dividida sobrava travas de chuteira à mostra, cada lance interceptado era um grito de guerra, cada proteção de bola era um braço no peito ou no rosto do adversário.

A guerra falante foi logo contida pelo árbitro, com a experiência de colocar todo mundo no bolso.

Ao fim dos primeiros 30 minutos de jogo foram distribuídos 04 (quatro) cartões amarelos e 01 (um) vermelho. O velho Charles mostrando o porquê era chamado de Cards nos tempos áureos. 

Então. O jogo começou com o TJ no comando. O toque dos boleiros quase profissionais montados por Péricles garantia a posse de bola e a chegada perigosa no ataque. E assim, logo no início do primeiro quarto, Jair recebeu um lateral na intermediária, avançou sem marcação e bateu no gol, com a bola desviando em Laércio e traindo George. A comemoração dos caras do TJ parecia os mariners americanos quando mataram Bin Laden. Os gritos foram escutados na fronteira com a PB.

A JF tentou acordar, mas não levava perigo ao gol do outro George. A dupla de ataque Monteiro-Denilson era bem marcada e sempre havia alguém na sobra interceptando qualquer tentativa. Vi uma JF nervosa. A bola pesava nos pés dos seus jogadores. Parecia ser ansiedade. Augusto patinou em campo inúmeras vezes, parecia estar no Holliday on Ice.

No último minuto do primeiro quarto e num cruzamento da esquerda, Neto Bola se antecipou e bateu sem chances, mais uma vez, para George Gentile. O placar se desenhava no fim do primeiro tempo.

Na volta para o segundo tempo, no terceiro quarto, Jair mandou um chutaço da direita e que Gentile nem viu onde a bola passou. 3x0 e o TJ, como Maomé, profetizou a vitória.

Aí se viu o imponderável.

O TJ relaxou lá atrás e numa saída de bola errada, Denílson aproveitou e tirou o branco do seu placar. Isso mexeu com a partida, transformando o terceiro quarto na etapa mais emocionante.

O TJ, ainda melhor em campo, chegava ao gol adversário, mas começou a aparecer um dos nomes do jogo: George Gentile. O piu-piu amarelinho não se mostrou frango. Levou bolada nos peitos, foi buscar a bola no cantinho, usou as pernas quando não dava mais para usar os braços e mãos. A partir dos 35 minutos de jogo nada mais deu certo para os atacantes do TJ. Dizem as línguas ferinas que o amarelão da camisa encandeava os atacantes adversários. Tática inteligente do goleiro que veio de Mossoró só para o jogo e ainda levou a esposa – musa inspiradora – para assistir a sua melhor partida de todos os tempos.

Do outro lado, o outro George, que até então assistia a partida, viu o desespero crescer a sua frente. A dupla de ataque começou a pôr às mangas de fora. Num chute de fora da área Ivanildo tentou cortar e quase manda a bola contra as próprias redes. Nesse momento fez-se um silêncio sepulcral na ASTRA 21. No lance seguinte, Denílson mais uma vez descontou o placar, despertando toda a platéia, em especial um galeguinho que estava no colo da mãe. O filho – de meses – como que entendendo uma possível reação inexplicável, começou a “falar”, gritar, incentivar o pai.

Eu – observador -, tive uma daquelas visões bíblicas e imaginei que o fim seria azul. 

Mas ainda faltavam 15 minutos. O TJ tinha um time do lado de fora. Se quisesse substituía todo o time e entrava outro. Tinha pulmão para renovar o gás.

Onde tem gás o fogo se alastra e quem entende de fogo são os ilustres bombeiros convidados do time da Justiça Federal.

No último quarto a JF fortaleceu-se extraordinariamente. Partiu à frente. Marcelo, até então zagueiro fixo, arriscou-se no ataque e chutou com perigo por duas vezes. Viu-se um time disposto a buscar o empate. O TJ parecia não acreditar e assistia ao jogo. A JF crescia.

No desespero dos minutos finais, a bola veio alta na área do TJ. Monteiro, até então marcado e que não havia conseguido furar o bloqueio adversário, como por instinto salta em direção a bola antecipando-se ao goleiro George. E em decisões as coisas se resolvem por instinto. Não estão no script. Um leve raspão de cabeça e a bola saiu da direção do goleiro, entrando mansamente no fim do gol do TJ.

O empate em três a três obrigou a prorrogação. Na minha lembrança a última vez que ocorreu isso foi em 2003 entre os já extintos TRE x Bola Murcha.

A JF cansada, mas em crescimento. O TJ sem acreditar no que via e parece que sem acreditar em si.

Inexplicável.

Na arquibancada da ASTRA os torcedores neutros adotaram a JF.

Prorrogação de um jogo de xadrez entre Genildo “Pebarovitsch” contra Renato “Teixeirovscky” na tentativa de um xeque-mate.

Reiniciado o jogo e na primeira tentativa de ataque dos Federais, Monteiro bateu seco e a bola foi na forquilha de George, decretando a virada.  A partida ganhou ares dramáticos quando Laércio (JF) foi expulso após chegar atrasado num lance, atingindo, ainda que sem maldade, o adversário. Com um a menos a Justiça se multiplicou em campo. Os antes só atacantes Denílson-Monteiro recuaram para marcar. A JF estava exausta, mas ia buscar força no sobrenatural para se manter de pé e acompanhar a juventude do TJ que tentava de toda forma seguir em frente, mas algo impedia a evolução.

Denílson fez 5x3 numa cobrança direta de falta, pois o TJ esgotara o seu limite. O placar ainda era indefinido. Logo após a JF também completou sua falta limite e Neto Bola tinha nos pés a chance de pôr pilha nos minutos finais, só que não contava com a presença de George Gentile que cresceu na trave e defendeu o tiro livre.

Finito. Num jogo entre as Justiças o que menos interessa é se houve justiça ao final. A partida de ontem, para quem assistiu, é daquelas sem explicação.

Ganharam todos.

Os colegas federais bem que poderiam ter cantado a musiquinha “A benção João de Deus, nosso povo te abraça”, como faz a torcida tricolor em cada sucesso, muito embora saibamos que o “João de Deus” era outro e que abençoou, um a um, os seus colegas antes, durante e depois da partida.



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